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Coisas sérias e bobagens

terça-feira, 18 de junho de 2013

A carta


 Marília, 06 de outubro de 1976


Cara amiga Martha

Faz dias que quero escrever-lhe, uma coisa e outra acaba o dia e nada, nem uma linha. O que o médico disse dessa sua tosse insistente? Espero que seja somente por conta do tempo seco, esta época tem muita fumaça também, desejo melhoras.

Estava louca pra lhe contar um fato ocorrido semana passada. Você se lembra do senhor Fernandes, aquele que tinha farmácia aqui perto de casa? Pois bem, ele mesmo, o bonitão, cá entre nós, sempre foi, agora mais encorpado e grisalho, ficou impossível passar por ele sem notar sua pessoa.

Você sabe amiga, sou uma mulher muito reservada, se olho pra alguém, quando não consigo evitar, faço muito discretamente, e não foi diferente com ele, bem acho que foi um pouco diferente.

Martha querida, domingo passado foi  ao batizado da netinha da Isabel Baptista, linda criança, e já está com três meses, o senhor Fernandes estava na igreja, ele é parente do marido da Isabel, acho que são primos.

Cara minha, fazia muito tempo que não ficava tão perto de um homem, depois que o Renato se foi, só fiquei perto dos homens da família, e ficar perto desse homem, minha nossa.

Vou confessar-lhe, coisa que só tenho coragem de contar a você, não tenho confiança   em mais ninguém.

Seguimos todos, da igreja para a fazenda Esmeralda, para o almoço, estava tudo muito bonito por lá, as mesas colocadas no gramado em frente a casa, arrumaram tudo com muito capricho, afinal eles tem dinheiro e podem fazer bonito .

Eu estava caminhando pelas mesas quando o senhor Fernandes a minha frente puxou uma cadeira para eu sentar, confesso amiga, minhas pernas fraquejaram, sentei-me logo pois se não o fizesse cairia no chão.

Sem exagerar nada, faz muito tempo que estou viúva, e acho que por isso,  a atitude dele fez meu sangue circular muito rápido e acelerou meu coração, ah acho que foi o contrário, de um jeito ou de outro me senti incendiar, um calor que quase desmanchou minha maquiagem.

Tentei me recompor, ele se sentou ao meu lado, e acredite começou a falar de amor, assim, sem mais, falou de relacionamentos duradouros e eu, que tinha me acalmado um pouco comecei  ficar agitada novamente.

Fiquei com a boca fechada meio tonta, não conseguia responder nada, só balbuciava

hã hã, eu. tinha medo de abrir a boca e minha alma sair por ela, me abandonar, junto com meu coração. Disse-me ele que queria fazer o pedido de casamento naquela hora na frente de todos, sentia que dessa vez ele seria um homem muito feliz. Me deu muito medo que meu coração não resistisse tamanha emoção, levei a taça de vinho a boca para um gole, pensei que me acalmaria, nesse momento ele disse: Será agora! 

Meu coração parou por um instante, ele se levantou, foi em direção a Carlota e com voz firme como se fosse fazer um pronunciamento histórico pediu-a em casamento. Ela sorriu fingindo surpresa e meu vestido ficou molhado de vinho.

Martha querida, não foi dessa vez, quem sabe  não aconteça, em verdade lhe digo: Melhor que não aconteça mesmo, caso isso ocorra, irei sem derramamento de vinho direto pro pronto-socorro.

Beijo 

De sua amiga


Carmen Lúcia


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