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São Paulo, São Paulo, Brazil
Coisas sérias e bobagens

sábado, 22 de junho de 2013

O susto


Estava no banho quando senti um mal-estar.

Meu Deus o que será, chegou minha hora? Deixe ao menos me vestir, morta no banheiro e ainda pelada! Não, não, não! Saí do banho rapidamente e vesti o roupão, que alívio, fiquei sentada até passar o tumulto.


Com oitenta e um anos completos, sempre tenho a impressão de que a morte me espreita, me ronda, fica atrás de mim como um cão esperando a comida com fome voraz.


Cuidei de meu marido até ele ir, eles sempre vão primeiro, acredito que somos difíceis de aturar, minha avó também ficou viúva, como minha mãe, cuidei dela até morrer, morreu sentadinha, à tarde vendo tevê, tranquila, de pernas cruzadas, mãos sobre o colo, elegante como sempre foi. 


Cuidei dos filhos, dos netos um pouco, mas dos bisnetos não, não tenho mais força pra isso e nem ficar balbuciando imitando a pequena pessoa, me sinto como uma retardada, me cansa, gosto de ficar no meu canto quieta, se bem que não fico muito, só paro quando pego um livro pra ler, e isso é uma das coisas que me dá prazer nesta vida, porém o que eu gostaria mesmo é de ser escritora, ter uma biblioteca com livros até o teto, uma escrivaninha e uma berger bem confortável pra sentar com abajur ao lado e uma máquina de escrever portátil pra quando quisesse colocar no colo, gostaria de escrever estória de mulheres fortes, de mulheres fazendeiras, de mulheres comerciantes, de mulheres da vida, coisas assim já que a minha realidade sempre foi de submissão, nos meus escritos eu poderia ser tudo, até Cleópatra e como tal mataria a serpente e mandaria um artífice fazer uma bolsinha com a pele para meu perfume predileto,  número cinco e com ele conquistaria outros poderosos imperadores.


Em verdade eu penso muito e faço pouco,  além do peso dos anos, tem o cansaço, mas não muito, só fico cansadinha.


Tenho ainda os meus prazeres, secretos e que morrerão comigo.


E quando estiver lá, deitadinha, com as mãos no peito, no meio das flores dirão: Tão boa, uma mulher admirável, uma santa! Nesse momento eu estarei, não sei onde, rindo e pensando Como são ingênuos, não sabem nada.


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